Na reprise da novela Vale Tudo, exibida pela TV Globo, a personagem Heleninha Roitman, vivida por Paolla Oliveira, volta a enfrentar a dependência do álcool após um período de sobriedade. O gatilho: o retorno de sua mãe, a autoritária e controladora Odete Roitman, interpretada por Debora Bloch. O enredo, apesar de ficcional, espelha com precisão o drama de milhares de brasileiros que convivem com a dependência química e enfrentam recaídas por motivos emocionais e familiares.
A volta ao vício da personagem Heleninha desencadeia reflexões importantes sobre como fatores psicológicos e relacionamentos disfuncionais podem fragilizar até mesmo os processos mais estruturados de recuperação. Segundo o psiquiatra Arthur Guerra, coordenador do Centro de Estudos em Álcool e Drogas da Faculdade de Medicina do ABC e do Núcleo de Psiquiatria do Hospital Sírio-Libanês, "a recaída costuma acontecer não pela ausência de força de vontade, mas porque o entorno da pessoa ainda está repleto de gatilhos e pressões emocionais difíceis de lidar".
Entre os principais fatores que contribuem para recaídas no alcoolismo estão conflitos familiares, histórico de traumas, estresse crônico, ausência de rede de apoio e transtornos mentais como ansiedade e depressão. No caso de Heleninha, o histórico de abuso emocional e desvalorização materna é evidente, o que a torna ainda mais vulnerável ao colapso emocional diante do retorno da figura materna opressora.
De acordo com dados do Ministério da Saúde, o Brasil registra cerca de 3 milhões de pessoas com transtornos relacionados ao uso de álcool. Destes, apenas uma parcela significativa busca tratamento. A taxa de recaída pode variar entre 40% e 60% nos primeiros meses após a abstinência, segundo levantamento da Organização Mundial da Saúde (OMS). “A dependência química é uma doença crônica, com altos índices de recaída, mas que pode ser gerenciada com suporte adequado”, reforça Guerra.
A trama de Heleninha ilustra um ponto frequentemente negligenciado: o ambiente familiar, que muitas vezes deveria ser uma fonte de apoio, pode se tornar um fator de risco. Especialistas recomendam que o tratamento do alcoolismo envolva não apenas a pessoa dependente, mas também os familiares, que precisam ser orientados e, em muitos casos, acompanhados por profissionais.
Além da psicoterapia e da psiquiatria, há outras abordagens eficazes no tratamento da dependência, como os grupos de apoio mútuo (como Alcoólicos Anônimos), o uso de medicamentos que reduzem a fissura e o acompanhamento contínuo por uma rede multiprofissional.
A novela, ao resgatar a trajetória de Heleninha, não apenas revisita uma personagem icônica da teledramaturgia brasileira, mas também propõe um diálogo necessário sobre saúde mental, estigma e a complexidade do tratamento do alcoolismo. Na ficção e na vida real, a recaída é um alerta, não um fracasso. Com acompanhamento adequado, é possível retomar o processo de recuperação e reconstruir a autonomia e o bem-estar.