O santo guerreiro dos cariocas

São Jorge: quem foi o guerreiro reverenciado pelos católicos?

Conheça a história do santo que virou símbolo de coragem e fé, venerado por milhões no Brasil e no mundo.

 

Embora São Sebastião seja o padroeiro oficial do Rio de Janeiro, é São Jorge quem conquista o coração dos cariocas — em parte por sua associação, na Umbanda, com o orixá Ogum. Ele é provavelmente o terceiro santo mais popular tanto no catolicismo quanto no cristianismo ortodoxo, ficando atrás apenas da Virgem Maria e de São Nicolau de Mira, seu conterrâneo e contemporâneo.

Santo guerreiro nascido na Capadócia e martirizado durante o governo do imperador Diocleciano, é cercado por inúmeras lendas: teria derrotado um dragão, sangrado leite em vez de sangue, feito imagens e exércitos pagãos explodirem, ressuscitado um homem para batizá-lo, sido esquartejado, queimado, enterrado e ainda assim retornado à vida. As narrativas em torno de sua figura são vastas e impressionantes.

Embora tenha forte presença no catolicismo, São Jorge também é reconhecido como santo por outras vertentes do cristianismo, como a Igreja Anglicana e a Igreja Ortodoxa. Além disso, é reverenciado por alguns praticantes de religiões de matriz africana, como a umbanda e o candomblé, onde sua figura é associada a entidades e orixás, despertando respeito e devoção.

A imagem de guerreiro, capaz de superar qualquer adversidade, é uma das razões para a popularidade de São Jorge, segundo o escritor, professor e historiador Luiz Antônio Simas.

Na tradição católica, São Jorge é visto como padroeiro dos cavaleiros, soldados, escoteiros, esgrimistas e arqueiros, sendo popularmente conhecido como o santo guerreiro. Para seus devotos, ele representa um guia nas dificuldades da vida, ajudando na luta contra o mal e os desafios tanto do plano terreno quanto do sobrenatural.

Essa ideia é destacada no site do Vaticano:

“Como acontece com outros santos, envolvidos por lendas, poder-se-ia concluir que também a função histórica de São Jorge é recordar ao mundo uma única ideia fundamental: que o bem, com o passar do tempo, vence sempre o mal. A luta contra o mal é uma dimensão sempre presente na história humana, mas esta batalha não se vence sozinho: São Jorge matou o dragão porque Deus agiu por meio dele”

 

A Lenda do dragão
 

São Jorge enfrentou um dragão monstruoso que aterrorizava a cidade de Sylén, na Líbia. O dragão exigia o sacrifício diário de uma donzela, e, quando chegou a vez da princesa Sabra, Jorge decidiu salvá-la. Após uma luta feroz, onde sua lança se quebrou e sua armadura foi danificada pelo veneno da criatura, Jorge conseguiu derrotar o dragão e libertar a cidade. Em agradecimento, os habitantes se converteram ao cristianismo. A vitória de São Jorge sobre o dragão passou a simbolizar a luta contra as forças islâmicas durante as Cruzadas, e o rei Ricardo Coração de Leão o invocava como protetor dos soldados.

A história de São Jorge e o dragão é uma das mais conhecidas da tradição cristã e tem uma simbologia rica, que foi especialmente valorizada na Idade Média. A luta de São Jorge contra o dragão tem várias camadas de significado, incluindo a ideia de combate contra forças vistas como inimigas da fé cristã, como aconteceu nas Cruzadas.

São Jorge, retratado como um cavaleiro corajoso enfrentando um dragão feroz, acabou se tornando um símbolo da luta entre o bem e o mal, e da vitória da fé cristã sobre ameaças externas. O fato de os habitantes da cidade de Sylén se converterem ao cristianismo após a derrota do dragão também pode ser interpretado como uma metáfora para a conversão de povos durante as Cruzadas, quando o cristianismo se espalhou por várias regiões.

O uso de São Jorge como símbolo de proteção nas Cruzadas, especialmente por líderes como Ricardo Coração de Leão, mostra como ele foi visto como uma figura divina forte e confiável, tanto para as batalhas físicas quanto espirituais. Até hoje, a imagem de São Jorge, com sua vitória sobre o dragão, permanece como um ícone de coragem e resistência, sendo vista em bandeiras, brasões e várias representações por todo o mundo.


Uma representação de Ogum?


No Rio de Janeiro, fiéis de diversas partes da cidade acordam cedo para prestar homenagem ao santo e ao orixá. Nas primeiras horas do dia, os devotos soltam fogos, enquanto as igrejas católicas realizam missas logo ao amanhecer. À tarde, muitos se reúnem para celebrar a data com uma tradicional feijoada e cerveja bem gelada.

Mas São Jorge e Ogum são a mesma pessoa?

“São divindades diferentes. Ogum é um orixá africano, um homem preto. Porém, no Brasil, a associação entre orixás e santos católicos foi necessária”, diz Preta Lagbara, mãe de santo dirigente do terreiro Ilê Axé Exu eti Ogum, ao G1.

Para ela, embora Ogum e Jorge sejam figuras históricas distintas, o sincretismo religioso entre as divindades africanas e os santos católicos foi fundamental para manter viva a religião, já que o culto às divindades africanas era proibido no Brasil.

“Nossas anciãs eram extremamente sábias. Elas veneravam essas imagens e colocavam os assentamentos dos orixás sob os altares. Ao chegarem aos terreiros, viam as imagens dos santos católicos e compreendiam que, naquele espaço, se cultuava o catolicismo, e não o candomblé”, explica a sacerdotisa.

De acordo com a tradição católica, São Jorge nasceu na Capadócia, região que hoje faz parte da Turquia. Por outro lado, Ogum, originalmente, era adorado nas terras que correspondem ao atual território da Nigéria, a mais de 7 mil quilômetros da Península da Anatólia.

Essa conexão entre São Jorge e Ogum, embora fruto do sincretismo religioso, revela a maneira como as tradições africanas foram preservadas e adaptadas no Brasil. O culto ao santo guerreiro e ao orixá é um exemplo claro de resistência e resiliência cultural, refletindo a força das comunidades afro-brasileiras que, por séculos, mantiveram viva a espiritualidade de seus ancestrais.

Hoje, no Rio de Janeiro, a data de São Jorge é mais do que uma celebração religiosa: é um momento de união e de reafirmação de identidade. Seja nas igrejas, com as missas e fogos de artifício, ou nas festas com feijoada e cerveja, o dia 23 de abril é uma homenagem à coragem, à fé e à luta contra as adversidades. O santo e o orixá, em sua infinita simbologia, continuam a inspirar gerações, mostrando que, mesmo em tempos difíceis, a vitória do bem sobre o mal permanece como um ideal imortal.

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