Faz aproximadamente dois meses que o casal Danilo Hiedt e Liana Maria de Quadros vive em um contêiner de concreto no local onde será construído um novo bairro residencial em Cruzeiro do Sul, no Vale do Taquari, no Rio Grande do Sul — uma das regiões mais afetadas pelas enchentes de maio do ano passado.
Inicialmente, eles estiveram em outros abrigos e na casa de parentes. Quase um ano após a tragédia, o casal relembra os momentos de horror que presenciaram na zona rural do município, às margens do Rio Taquari, que ultrapassou a cota de inundação em mais de 30 metros acima do leito normal nos primeiros dias de maio.
“Lá saiu tudo de arrasto, tudo o que nós tínhamos: a casa inteira, animais de criação, como bois de canga, ferramentas”, contou o agricultor, de 65 anos, em conversa com a Agência Brasil.
Os dois resistiram por horas numa canoa ou sobre o forro da casa até serem resgatados. Liana ainda usava muletas devido a uma cirurgia no fêmur e passou a madrugada dentro de uma embarcação.
“Eu tinha que tomar meus remédios e bebi a água da enchente. Só deu tempo de pegar quatro bergamotas do pé, que dividimos para comer. Era só o que tínhamos”, relatou a sobrevivente, de 64 anos.
O casal conseguiu salvar a família — filha, genro e netas — mas alguns amigos e vizinhos perderam a vida.
Grande parte dos 184 mortos nas enchentes do ano passado no Rio Grande do Sul era da região, sendo 13 apenas em Cruzeiro do Sul. Ainda há cerca de duas dezenas de desaparecidos, segundo a Defesa Civil estadual.
O novo loteamento, construído pelo Governo do Estado em parceria com a prefeitura local, fica em uma área alta da cidade e se chamará Novo Passo da Estrela, em homenagem ao bairro que foi completamente destruído pela força da correnteza em 2024.
As primeiras moradias definitivas, entre as 480 previstas, têm entrega programada para o final do ano.
Enquanto isso, as casas temporárias — com 27 m² — oferecem dormitório, sala e cozinha conjugadas, banheiro e mobiliário, como mesa, armário, cama, beliche e eletrodomésticos da linha branca.
A entrega das moradias temporárias marcou o encerramento dos abrigos coletivos no município.
“Pode botar meu terreno aqui, que eu só atravesso a rua. A gente tem que brincar, fazer o quê? Chorar eu já chorei o suficiente. Salvei minha família, conseguimos salvar todo mundo”, afirmou Liana, que agora espera por dias melhores.
O casal também recebeu o Auxílio Reconstrução, do governo federal, no valor de R$ 5,1 mil, que ajudou a recuperar parte das perdas materiais.
Em outro contêiner, Edevar Porto da Cruz, de 67 anos, aguarda ansiosamente a mudança para uma moradia permanente.
“O governador Eduardo Leite esteve aqui esta semana e disse que, até o fim do ano, vão entregar uma parte das casas e, depois, em até mais um ano, o restante”, observou.
Somente em Cruzeiro do Sul, 1.109 casas foram destruídas. Além do novo bairro, o programa Minha Casa, Minha Vida, do governo federal, prevê a construção de mais 500 unidades habitacionais.
Cinquenta famílias já foram contempladas com a modalidade Compra Assistida, que concede até R$ 200 mil para a aquisição de um imóvel já existente.
Parque Memorial
Na parte baixa de Cruzeiro do Sul, próxima ao Rio Taquari, o cenário pós-catástrofe era apocalíptico, com casas, carros e postes totalmente destruídos. Ali ficava o Passo da Estrela, um bairro completo, com escola, igreja e posto de saúde.
Hoje, o que se vê é um campo aberto de terra batida. Máquinas ainda trabalham para demolir o que restou das casas destruídas. No local será construído um Parque Memorial, com área de vegetação, equipamentos para a prática de esportes e uma homenagem às vítimas da catástrofe.
Entre as poucas casas que não foram interditadas está o imóvel de José Cláudio, de 71 anos, e sua esposa, Rosane Lenhardt, de 67 anos. Eles estão entre os últimos moradores da antiga comunidade, mas não devem permanecer.
“Não adianta ficar aqui com essa preocupação de enchente, indo e voltando”, disse Rosane à Agência Brasil. “A gente trabalha a vida inteira para juntar alguma coisa e ter um futuro melhor, e perder tudo da noite para o dia não é fácil”, acrescentou José Cláudio.
O casal mantinha uma pequena olaria no terreno ao lado, que foi completamente destruída pelas águas. Eles vão se mudar para outro loteamento na cidade, adquirido com recursos próprios em parceria com vizinhos e amigos, e que atualmente passa por obras de encanamento e de acesso à rede de energia elétrica.
Rosane concorda com a decisão de extinguir o antigo bairro: “Agora que arrancou tudo, é bom que não deixem mais ninguém voltar”.
Demanda habitacional
Na região do Vale do Taquari, a realidade das famílias que perderam suas casas é diversa, mas a maioria ainda espera por moradia definitiva.
Em Estrela, segundo informações da prefeitura, 516 famílias recebem atualmente auxílio-aluguel social. Cerca de 100 unidades habitacionais começaram a ser erguidas pelo programa Minha Casa, Minha Vida, que ainda prevê a construção de mais 800 moradias no município.
Além disso, outras 60 famílias são atendidas pela modalidade Compra Assistida, que permite a aquisição de imóveis prontos. Pelo governo estadual, está prevista a construção de 108 casas em diferentes estágios de execução.
Em Muçum, a administração municipal informou que trabalha em três novos loteamentos habitacionais, todos localizados em áreas seguras, fora da zona de risco de inundações.
“Todos os terrenos são novos, sem uso anterior, sendo dois deles desapropriados pela prefeitura e um pelo governo estadual”, informou a prefeitura.
Por meio do programa Minha Casa, Minha Vida Calamidade — voltado a famílias da área rural —, Muçum foi contemplado com 17 residências, que deverão ser entregues em até seis meses, todas situadas fora das zonas de risco.
Em Lajeado, um dos municípios mais populosos e desenvolvidos do Vale do Taquari, aproximadamente 500 famílias são beneficiadas pelo aluguel social calamidade enquanto aguardam a entrega de moradias definitivas pelos programas habitacionais, conforme informou a prefeitura. Desde junho de 2024, a cidade não dispõe mais de abrigos coletivos em funcionamento.
Segundo a administração municipal, estão previstas cerca de 700 novas residências para Lajeado, viabilizadas por programas habitacionais governamentais e por iniciativas privadas, em resposta às enchentes de setembro de 2023 e maio de 2024.
Até agora, seis moradias foram entregues por uma organização não governamental (ONG), enquanto as demais seguem em fase de tramitação administrativa ou construção.
Em Arroio do Meio, o prefeito Sidnei Eckert declarou à Agência Brasil que a cidade precisa de cerca de 700 novas habitações. “Os governos federal e estadual são parceiros, mas a burocracia acaba atrasando muito”, lamentou.
A prefeitura não apresentou balanço detalhado sobre o andamento das ações de realocação das famílias desalojadas.
Com informações Agência Brasil