A partir desta segunda-feira (10), Belém assume o posto de capital temporária do Brasil e, mais do que isso, se torna o epicentro das discussões globais sobre mitigação e adaptação às mudanças climáticas, além dos investimentos necessários para atingir essas metas. A 30ª Conferência das Partes (COP30) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) acontece até o dia 21 de novembro. Pela primeira vez sediada na Amazônia, o bioma com a maior biodiversidade do planeta e um dos principais reguladores do clima global, a conferência tem o grande desafio de recolocar a pauta climática no centro das prioridades mundiais.
De acordo com a presidência da COP30, delegações de 194 países e da União Europeia confirmaram participação. A capital paraense deve receber mais de 50 mil pessoas, entre negociadores, cientistas, representantes governamentais, membros de organizações da sociedade civil e movimentos sociais.
O evento ganhou força nos últimos dias com a realização da Cúpula do Clima, também em Belém, que reuniu chefes de Estado, representantes de cerca de 70 países e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva como anfitrião. Lula buscou promover um consenso em torno de ações concretas que evitem que o planeta ultrapasse o limite de 1,5ºC de aquecimento.
“A COP30 é a COP da verdade”, afirmou o presidente, reforçando a urgência de ampliar o financiamento internacional para adaptação e transição energética e de acelerar o abandono dos combustíveis fósseis.
Segundo Márcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima, rede que reúne mais de 130 entidades da sociedade civil, institutos de pesquisa e movimentos sociais, a fala de Lula foi central. “O presidente destacou algo fundamental: o fim do uso de combustíveis fósseis. Ele quer que esta COP estabeleça um roteiro concreto de transição, com cronograma, responsabilidades e financiamento. Esse recado foi essencial”, destacou.
Dados da plataforma Climate Watch mostram que a queima de combustíveis fósseis, como petróleo e carvão, é responsável por 75% das emissões de gases de efeito estufa. Em seguida, aparecem agricultura (11,7%), processos industriais (4%), resíduos (3,4%) e desmatamento (2,7%).
Desafios globais e impasses
Mesmo diante desse cenário alarmante, a agenda climática enfrenta entraves. Conflitos armados, o retorno do negacionismo nos Estados Unidos e o aumento das emissões de CO₂ no último ano colocam em dúvida o comprometimento global com o tema.
Apenas cerca de 80 países atualizaram suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), metas criadas a partir do Acordo de Paris para reduzir emissões. Juntas, elas representam 64% das emissões globais. Entre os maiores emissores, EUA (antes do governo Trump), China e União Europeia já apresentaram suas metas, mas a Índia ainda não, deixando mais de um terço das emissões mundiais sem novas metas definidas.
“Esperava-se que as promessas viessem durante a cúpula, mas elas não apareceram. Isso foi um ponto negativo”, lamentou Astrini.
No sábado (9), o presidente-designado da COP30, embaixador André Corrêa do Lago, divulgou sua última carta à comunidade internacional, pedindo que Belém marque o início de um ciclo de ação no enfrentamento da crise climática.
Durante o último ano, discussões em Bonn, na Alemanha, e a Pré-COP, em Brasília, buscaram alinhamento entre as 198 partes do Acordo de Paris. Como as decisões são tomadas por consenso, as negociações tendem a ser longas e complexas.
Adaptação, transição e balanço global
Três eixos principais devem guiar as discussões em Belém: adaptação climática, transição justa e implementação do Balanço Global do Acordo de Paris (GST).
A adaptação busca preparar cidades e territórios para lidar com eventos extremos, como o tornado que atingiu Rio Novo do Iguaçu, no Paraná. Nesta COP, devem ser definidos indicadores para medir o progresso dos países no Objetivo Geral de Adaptação Climática.
A transição justa deve ganhar um programa de trabalho formal dentro da conferência, com foco em políticas que garantam oportunidades a trabalhadores afetados por mudanças em setores poluentes. Já o Balanço Global, realizado pela primeira vez na COP28, em Dubai, deverá orientar os países sobre como acelerar o combate ao aquecimento global.
O gargalo do financiamento
Um dos temas mais sensíveis da COP30 é o financiamento climático. Márcio Astrini lembra que “os países ricos prometeram investir na transição, mas o dinheiro nunca apareceu”. Segundo ele, isso gerou uma crise de confiança agravada após a COP29, em Baku.
Para tentar resolver o impasse, foi apresentado o plano “Mapa do Caminho de Baku a Belém”, elaborado pelas presidências das COPs 29 e 30. O documento busca viabilizar 1,3 trilhão de dólares por ano em recursos para projetos climáticos.
Dentro da agenda brasileira, um dos instrumentos de destaque é o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF), lançado durante a Cúpula do Clima, com promessas de aporte de 5,5 bilhões de dólares. Pelo menos 20% desse valor deve ser destinado a comunidades tradicionais e povos indígenas.
Participação da sociedade civil
Mesmo com as negociações ainda em andamento, a COP30 já é considerada histórica pela amplitude da mobilização da sociedade civil. Além da Zona Azul, onde acontecem as reuniões oficiais, a Zona Verde, de acesso livre, no Parque da Cidade, será o principal espaço público de debates e exposições.
O local vai reunir projetos de tecnologia, inovação e sustentabilidade, além de oferecer atividades culturais e de lazer. O Pavilhão do Círculo dos Povos dará voz a indígenas, agricultores e comunidades tradicionais. Estima-se que mais de três mil indígenas participem da conferência, a maior presença já registrada.
“Clima não é papo de ambientalista. Está ligado ao preço da comida, à energia elétrica, ao nosso cotidiano”, explica Astrini, que considera esta a COP mais vitoriosa até aqui, pela mobilização que promoveu no Brasil.
Outro evento paralelo é a Cúpula dos Povos, organizada por movimentos sociais e marcada para começar na quarta-feira (12) na Universidade Federal do Pará. A programação inclui uma barqueata pelo Rio Guamá e uma grande marcha no sábado (15).
Para Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), o foco deve ser o cumprimento real dos acordos firmados. “O que precisamos é que os compromissos sejam efetivados. E que quem protege o território esteja à mesa de negociação, de igual para igual”, afirmou.
Com informações Agência Brasil
