O dia mal começou e milhões de pessoas já receberam uma recomendação sobre como devem vivê-lo. Em vez de vir de um médico ou treinador, ela aparece na tela de um relógio ou anel inteligente, como um número. Trata-se da chamada “pontuação de prontidão” — uma medida gerada por dispositivos vestíveis que pretende indicar o nível de energia, estresse ou recuperação do corpo.
Essas pontuações compostas de saúde, cada vez mais comuns em aparelhos como Apple Watch, Fitbit, Oura Ring e WHOOP, reúnem dados como frequência cardíaca, sono, atividade física, temperatura e respiração. A proposta é oferecer uma orientação simples: descanse, treine com moderação ou siga em frente com intensidade.
Mas até que ponto esse número é confiável?
Uma revisão sistemática recente conduzida por pesquisadores da University College Dublin, na Irlanda, analisou as pontuações mais populares oferecidas por esses dispositivos. A conclusão: falta transparência na forma como os dados são processados, e a ciência por trás das recomendações ainda é frágil.
Apesar de utilizarem sinais biométricos relevantes, como variabilidade da frequência cardíaca (HRV), frequência em repouso e qualidade do sono, muitos dispositivos não explicam como transformam esses dados em uma única pontuação. Não está claro, por exemplo, se há ponderação entre os indicadores, ajuste para idade ou nível de condicionamento físico, ou exclusão de dados fora do padrão.
Além disso, a precisão dos sensores — como os ópticos usados para medir batimentos — ainda é limitada. Pequenas imprecisões na coleta de dados podem resultar em recomendações equivocadas e um dos exemplos citados pelos pesquisadores é o chamado “duplo mergulho”. Quando uma noite de sono ruim afeta também a variabilidade da frequência cardíaca, o usuário pode ser penalizado duas vezes pela mesma causa, o que distorce a avaliação.
Diferenças entre dispositivos
Outro fator que dificulta a confiança é a falta de padronização nas linhas de base. Cada dispositivo define sua “média pessoal” com critérios distintos — alguns analisam os últimos sete dias, outros os últimos 28. Em alguns casos, dias atípicos são excluídos; em outros, não.
Essa inconsistência dificulta comparar dados entre plataformas e levanta dúvidas sobre a validade das recomendações. Além disso, há críticas sobre como esses dispositivos tratam o esforço físico recente. Mesmo que o corpo apresente sinais de boa recuperação, como HRV elevada e frequência cardíaca normal, a pontuação pode cair apenas porque o usuário se exercitou no dia anterior.
Apesar das falhas, os especialistas não recomendam abandonar os rastreadores. Quando usados com bom senso, eles podem ajudar a observar padrões ao longo do tempo, como mudanças no sono, resposta ao estresse e adaptação ao treinamento.
Segundo estudos, os dispositivos vestíveis têm ganhado espaço na chamada “saúde digital” e devem continuar se popularizando. Mas, para isso, será necessário maior rigor científico, validação independente e regulamentações claras.
Enquanto isso não acontece, a recomendação dos especialistas é simples: use o aparelho como uma bússola, não como um mapa. E, sempre que possível, complemente a tecnologia com escuta ativa ao próprio corpo — e, claro, acompanhamento profissional.
Créditos para o estudo e apuração: G1